Mantras Plavras de Poder - John Blofeld

PREFÁCIO DO AUTOR

Como as coincidências se juntam estranhamente!

Muitas, muitas vezes, damos com uma palavra ou com um pensamento que estavam havia muito ausentes de nós, e de repente descobrimos que eles ecoaram de novo, duas ou três vezes, num intervalo de poucos dias. Há muitos anos acariciei a idéia de escrever um livro sobre mantras, e depois a descartei. Senti que não seria correto expor assuntos sagrados a um possível menoscabo ou, levianamente, pôr de lado as salvaguardas com as quais o conhecimento mântrico havia sido preservado da profanação durante séculos. De poucos anos para cá, entretanto, as circunstâncias se alteraram. O interesse pela sabedoria do Oriente, que milhares de jovens do Ocidente agora demonstram, é genuíno e não desprovido de reverência; ao contrário de seus antecessores e antepassados, eles não menosprezam o que é misterioso, simplesmente por não estar de acordo com as categorias do pensamento científico ocidental. Esta mudança de atitude merece e recebeu uma calorosa resposta; hoje em dia, até os mais conservadores guardiões das tradições orientais estão inclinados a abrandar o rigor das antigas salvaguardas, devido à compaixão por aqueles cujo desejo de sabedoria é sincero, e que se acham impossibilitados de viajar para longe de seu chão a fim de sentar-se aos pés dos sábios durante anos infindáveis. Havia pouco, uma série de incidentes me fizera ponderar de novo sobre as implicações dessa modificação, quando chegou uma carta de um autor, eminente autoridade sobre budismo chinês, Lu K'uan-yü (Charles Luk), insistindo comigo para que me dispusesse a escrever exatamente a espécie de trabalho que eu tivera em mente.

Minha primeira reação foi de cautela. Respondi que me sentia hesitante devido aos votos de samaya, que prescrevem discrição quanto a todo conhecimento que se obtém através da iniciação tântrica; pois, apesar de meu lama, o Venerável Dodrup Chen, haver-me dado permissão para escrever qualquer coisa que me parecesse adequada, sinto natural relutância em tomar decisões sobre tal matéria. Depois chegou nova carta de Lu K'uan-yü, com a mesma finalidade da primeira. Após ponderar sobre essa sugestão, aceitei-a, mas com uma auto-imposição: decidi limitar-me a falar de mantras que, já tendo sido publicados, deviam certamente ser conhecidos (e talvez mal compreendidos) pelos nãoiniciados. Desta maneira, eu esperava evitar revelações não recomendáveis e, ao mesmo tempo, esclarecer algumas concepções provavelmente errôneas.

Seguindo a linha geral que eu havia dado aos meus livros anteriores sobre assuntos similares, comecei pelo que, para mim, era o começo, relatando mais ou menos cronologicamente meus encontros iniciais com a prática mântrica. Por isso, os dois ou três primeiros capítulos não têm profundidade, mas espero que sejam considerados interessantes. Os leitores que, até aqui, consideram os mantras como mágicos ou conversa fiada descobrirão que foi quase essa a minha atitude no início, apesar de a fé na sabedoria dos meus amigos chineses me impedir de trancar a mente contra o que parecesse tolice. Espero conseguir despertar reverência pelas artes mântricas, e pela crença em sua validade, exatamente como foram despertadas em mim — passo a passo.

Gostaria de enfatizar que cheguei aos mantras por acaso, e não por decisão própria. Apesar de meu interesse por eles ser perfeitamente sincero, não busquei conhecimentos mântricos, e o que adquiri foi incidental na minha procura de iogues através dos quais conseguisse a Iluminação, da qual os mantras algumas vezes fazem parte. Tive muita sorte ao encontrar homens de sabedoria e verdadeira santidade, tanto chineses quanto tibetanos, muitos dos quais versados em erudição mântrica, mas estou longe de dominar o assunto. 0 fato de ter ousado escrever sobre isso não é porque eu saiba muito, mas porque muitos outros, que não tiveram as oportunidades que eu tive, talvez saibam menos ainda. Até esta data — tal como o leitor descobrirá ao final — existem aspectos dos mantras que permanecem tão misteriosos para mim quanto antes. Geralmente, divido os mantras em três categorias, das quais só me sinto capaz de falar com ligeira autoridade sobre-a primeira:

1— Mantras usados na contemplação iogue, maravilhosos mas não miraculosos. 2— Mantras com efeitos aparentemente miraculosos. 3— Mantras que, se tudo quanto se afirma a seu respeito for válido, devem provisoriamente ser julgados capazes de agir miraculosamente, ao menos até que a forma de sua ação seja melhor compreendida.

A maior parte do que se segue aos dois ou três capítulos introdutórios concerne à contemplação iogue. Apesar de ser considerado o menos espetacular aspecto dos mantras, este é o único de importância definitiva. Estou grato a Lu K'uan-yü por seu encorajamento, ao Lama Anagarika Govinda por uma carta que, em conjunto com suas obras publicadas, solucionou vários problemas para mim; ao meu bom amigo Gerald Yorke pela informação sobre a teoria hindu do poder mântrico, assim como de várias práticas ocidentais análogas ao uso dos mantras; e a dom Sylvester Houédard, da Prinknash Abbey, pelas volumosas notas eruditas das quais extraí minhas referências à Prece de Jesus1 e ao Ismu'z at dos Sufis.

John Blofeld, A Casa do Vento e da Nuvem

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