segunda-feira, 16 de abril de 2012

Mantra - OM MANI PADME HUM - O Mantra da Compaixão -

 John Blofeld - do livro Mantras Palavras de Poder

Conhecido como o Mani, é o mantra do Bodhisattva Avalokiteshvara da Suprema Compaixão, que toma a forma do Senhor Chenserig na Mongólia e no Tibete, e da bela Kuan Yin (Kannon) na China (e no Japão).

O Avalokiteshvara é conhecido pelos sábios não tanto como deus ou deusa, mas como a encarnação mental de uma força abstrata demais para ser descrita de outra forma que não acrescenta nem diminui a força do mantra.

Aquilo que para os não-instruídos é uma divindade adorada revela-se igualmente, para todos, uma fonte poderosa de inspiração; pois Avalokiteshvara, quer seja considerado como um ser de existência própria ou como uma criação mental dos devotos, personifica a tremenda força da compaixão, que se distribuí imparcialmente entre todos os seres sensíveis. Também não é significativa a diferença de sexo nas duas manifestações, pois os atributos sexuais dos Bodhisattvas são uma questão exclusivamente convencional.

Parece ser mais apropriada para personificar o espírito da compaixão a forma feminina, mas a encarnação masculina, Chenresig, apresenta-se como um ser de aparência não menos delicada, cujo sexo só é óbvio para os que conhecem as convenções iconográficas indo-tibetanas.

Entre as numerosas narrativas associadas com o Mani, a minha predileta é incidentalmente chinesa, mas muito semelhante às que são conhecidas entre os tibetanos.

Um guerreiro mesquinho, conhecido por sua implacável crueldade, presenciando a fuga de suas tropas que deixavam o campo em carreira impetuosa, teve também de fugir para não cair nas garras de seu rival.

Depois de tirar o uniforme e envergar a roupa azul de um camponês grosseiramente tecida em casa, correu como louco para as montanhas.

Faminto e cansado, seguiu adiante, tão depressa quanto seu esgotado
cavalo pôde levá-lo. Ao chegar a segunda noite, sentiu-se bastante a salvo para passá-la num eremitério próximo da estrada. Descobrindo que os únicos habitantes eram um idoso lama mongólico e um rapazinho que ali trabalhava, agiu com brutal truculência, forçando-os a encher suas sacolas vazias com todas as coisas portáteis de valor que o eremitério continha. Roubar seus hospedeiros era, afinal, sua forma habitual de pagar a hospitalidade, pois a única função dos civis era permitir que os heróis vivessem bem. Como as celas dos monges eram pequenas e sem conforto, ordenou que colocassem um divã na sala do santuário e ali, sem ficar perturbado pela luz de duas velas votivas que iluminavam uma estátua do Compassivo Kuan Yin, mergulhou num sono espasmódico.

Com pena de seu grosseiro perseguidor, o velho lama se esgueirou até o divã e, sentado de pernas cruzadas sobre as lajes, num local sombrio, começou a repetir o mantra OM MANI PADME HUM, num murmúrio que durou a noite toda; a não ser quando via o guerreiro agitar-se no sono, então verbalizava as sílabas silenciosamente, temendo perturbar o adormecido.

Não havia ressentimento no coração do velho, nenhum lamento pela perda dos valores, sem importância para ele, apenas o compassivo desejo de salvar o hóspede das conseqüências de sua loucura.

Durante a noite inteira, o guerreiro sonhou. Quadros e mais quadros surgiram em sua mente, de alegrias sentidas em vidas anteriores; neles, sempre havia alguém que o havia tratado com amor — a mãe, a irmã, algum amigo querido e assim por diante — mas todos esses episódios eram seguidos por outros, dilacerantes, nos quais ele via uma das pessoas queridas na aparência de uma de suas incontáveis vítimas; muitas e muitas vezes teve de suportar a dor de reviver seus atos de tortura, assassinato ou decapitação de alguém que reconhecia ser um generoso benfeitor em vida anterior.

Era insuportável, era horrível, ver-se como um feliz garoto sendo acarinhado por sua mãe que o adorava e depois como o brutal violador e executante da mesma pessoa amada noutra aparência facilmente reconhecível; fossem quais fossem as lágrimas e lamentações, ele não podia suster sua mão.

Despertou com a primeira luz da madrugada, o corpo banhado em suor, a mente enevoada pelo desprezo de si mesmo. De joelhos, caiu ante a imagem do Compassivo Kuan Yin e bateu sua cabeça nas lajes, num frenesi de remorso.

Entretanto, seguindo as instruções dadas na noite anterior, o rapazinho havia tirado o cavalo do estábulo e colocado nele os alforjes com os valores roubados. Tendo feito isso, ajudou o velho lama a levar para o hóspede uma refeição com chá quente, oferecendo-lhe o parco alimento de que dispunham naquele pobre lugar. Depois, com grande espanto do rapazinho, o guerreiro, antes tão truculento, inclinou-se até o chão ante o lama e implorou para ser aceito como discípulo.

"Não", foi a resposta. "A vida monástica não é para você. Continue o seu caminho. Se em qualquer tempo sua sorte melhorar, use seu poder e sua riqueza para o bem-estar dos oprimidos, lembrando que qualquer um deles pode ter sido seu pai, sua mãe ou seu amigo numa das vidas anteriores, pois as vidas de todos os seres sensíveis se interligam no passado durante eras inumeráveis."

Pasmo diante dessa íntima conexão entre aquelas palavras e seu pesadelo recente, o guerreiro implorou ao lama que lhe desse algo a que se apegasse nos anos futuros, ao que o velho respondeu:

"Nada há no universo mais forte que o poder da compaixão.
Apegue-se apenas a isso.
Se os seus esforços, alguma vez, falharem,
devido à carga do karma criminoso,
que as palavras do mantra de Kuan Yin,
OM MANI PADME HUM
sejam o sinete do seu pacto para nunca mais ceder à
crueldade e à avareza."

Assim o guerreiro, depois de devolver o roubo, partiu envergonhado. Dizem que, anos depois, alguns de seus antigos subordinados o encontraram ganhando seu arroz como arrieiro, empregado numa comunidade de monges em remoto mosteiro do cume oriental do Wu T'ai.

Os não-iniciados usam o Mani muitas vezes como feitiço protetor contra toda espécie de má sorte, seja do próprio indivíduo ou de outrem. Ele é pronunciado em momentos de perigo, entoado suavemente quando se conforta alguém em aflição e recitado mentalmente ou alto, em repetição infindável, pelos que buscam nascimento na Terra da Pureza. Inúmeros tibetanos morrem tendo nos lábios o
Mani.

Há também muitas aplicações especiais do mantra. Há pouco tempo o sr. Lu k'uan-yü escreveu-me sobre sua aplicação curativa no tratamento das alucinações correntes e doenças psíquicas similares. 0 paciente deve se sentar diariamente diante de uma vasilha de água e, invocando Avalokiteshvara de todo o coração, olhar para a tigela durante algum tempo, enquanto recita o Mani. Quando se vê um lótus emergindo da água, a cura é garantida. Eu mesmo pude me curar, no espaço de uma noite, de uma doença que me atacou durante uma semana, em viagem a cavalo através das montanhas no norte da China. Tendo caído da minha mula e sendo acudido e levado até a hospedaria mais próxima, recuperei a consciência ao descobrir, sentado na minha cama, um lama mongol entoando suavemente OM MANI PADME HUM. Maravilhosamente recuperado, senti a fadiga e a doença desaparecerem, e na manhã seguinte continuei a
viagem, sentindo-me tão bem como no primeiro dia.

É possível argumentar que o efeito dos mantras em tais circunstâncias é puramente psicológico. Isso é bem verdade, mas num sentido que não é de todo simples. A energia da compaixão personificada por Avalokiteshvara é real, e reside
no nível profundo de nossa consciência; está presente em todos nós, ainda que escondida pelos obstáculos do ego, e é despertada pelas sílabas, sobretudo quando pronunciadas com profunda aspiração pela felicidade de outrem. Por uma
razão qualquer, essa energia é mais facilmente evocada do que outras similares, para as quais existem outros mantras; provém daí a larga popularidade do Mani entre os que não receberam o ensinamento da ioga, do qual depende a
eficiência dos demais.

0 Mani também pode ser empregado em níveis mais elevados de ensinamento, e não são poucos os lamas eruditos que o consideram o mantra dos mantras, inteiramente completo em si mesmo, desde que alguém conheça os meios de usá-lo efetivamente. Apesar das aparências, nenhuma operação mágica participa dele. O mantra, além de ter uma afinidade psíquica com um elemento encaixado na consciência de quem o usa, e com um elemento idêntico na psique daqueles sobre os quais é usado, recebe enorme força de poder cumulativo das sagradas associações com as mentes das inúmeras pessoas que o pronunciaram durante o curso de séculos.

Ao relatar o que se segue sobre algumas das práticas iogues do Mani,  antecipo-me de algum modo para reunir tudo quanto foi dito sobre este mantra num só lugar. Segundo a doutrina Mahayana, tal como interpretada pela seita
Vajrayana, a suprema energia que brota da Fonte Suprema, e dali para as profundezas da consciência do adepto - tem dois aspectos: a sabedoria da realização sagrada e a sabedoria da compaixão.

Esta última muitas vezes é personificada pelo Buda Amitaba, do qual Avalokiteshvara é conhecido como uma emanação divina. Entre as inúmeras formas do Bodhisattva Avalokiteshvara, a mais freqüentemente admirada é a de uma divindade de quatro braços, de pura cor branca, duas mãos prendendo uma jóia colocada palma a palma num gesto de oração, duas mãos erguidas à direita e à esquerda, uma segurando um fio de contas de cristal, simbolizando a contemplação, a outra com um lótus que representa a perfeição espiritual.

Mas a contemplação bem realizada não requer reflexão cuidadosa sobre o Simbolismo; há profundas razões na ioga para essa forma da divindade, sua postura, seus gestos, suas cores e atributos, que são reconhecidos e aceitos por todos quantos admitem que a tradição vinda de Nalanda há séculos atrás, e mantida no Tibete de hoje, nada contém de fantasioso ou arbitrário.

Exceto no início da prática da ioga, pouca preocupação se tem com o assunto, porque pensar muito na interpretação do Simbolismo pode levar à distração; é preciso permitir que os símbolos ajam diretamente sobre um nível mais profundo da consciência. A forma bonita do Bodhisattva Kuan Yin (Kannon), conhecida por todos os amantes da arte chinesa e japonesa, é, similarmente, produto da intuição iogue; mas os artistas, ignorando o fato de que Kuan Yin é uma divindade de meditação e não um deus, podem ter introduzido detalhes imaginosos que não se encontram em pinturas ou estátuas especialmente preparadas como apoio para a meditação.

0 Mani pode ser usado em qualquer momento, sem preparo especial, por aqueles que possuem algum conhecimento dos métodos da ioga contemplativa, ou por
aqueles capazes de imbuir a forma do ser compassivo com o poder advindo das associações que ele desperta em suas mentes. Sua recitação por adeptos é, em geral, acompanhada da visualização da forma divina e das sílabas, cada qual com
sua cor apropriada; simultaneamente, brota na mente do adepto o desejo profundo pelo bem-estar dos seres sensíveis e a vontade de experimentar compaixão por todos eles — não só por aqueles que é fácil amar, como amigos, cavalos,
elefantes e Cachorrinhos, mas também pelas criaturas até então consideradas repelentes, como insetos nocivos, répteis, soldados, bandidos, fantasmas e demônios.

A princípio, mesmo sendo incapazes de amá-los, é possível ao menos simpatizar com suas tristezas e alegrar-se com suas transitórias alegrias, vendo-os como seres igualmente condenados, como nós mesmos, a vagar de nascimento em
nascimento, era após era, até alcançar a Luz. Objetos anteriores do desagrado do adepto, suas inimizades ou aversões peculiares devem ser os primeiros destinatários do poder do Mani, devendo o adepto dirigir seu pensamento para
eles com todo o amor de que seja capaz. Possuído de tristeza pelos fardos que todos devem carregar, e ansioso pela felicidade universal, ele olha as belas feições do Bodhisattva, já radiantemente visíveis à sua visão interior, e recita
repetidamente OM MANI PADME HUM!

Ou então se aprendeu com um mestre tibetano, UM MANI PEME HUNG!
(A vogai "U" é semelhante à primeira vogal da palavra inglesa "woman"; o "A" é pronunciado como em "father"; "PEME", contração de "PADME", soa quase como "pay-may", com a diferença de que o "P" fica parecido com o "B".)

OM, simbolizando a origem, a Fonte Suprema, o Dharmakaya, o Absoluto, é uma palavra de grande poder criativo, considerada com freqüência como sendo a soma de todos os sons do universo — a harmonia das esferas, talvez.

MANI PADME (jóia no lótus) significa vários conceitos como: a sabedoria essencial que existe no âmago da doutrina budista; a sabedoria esotérica da Vajrayana contida na filosofia esotérica Mahayana; a Mente contida dentro de nossas mentes; o eterno no temporal; o Buda em nossos corações; a meta (suprema sabedoria) e os meios (compaixão); e, se posso permitir-me tirar uma inferência, o Cristo interior que reside na mente do cristão místico.

HUM é o condicionado no incondicionado (que é para OM assim como Tê é para Tao na filosofia taoísta); representa a realidade sem limites incorporada dentro dos limites do ser individual e, deste modo, une todos os seres e objetos separados ao OM universal; é a não-morte no efêmero, além de ser uma palavra de grande poder que destrói os empecilhos criados pelo ego.

Tais interpretações são naturalmente de interesse, mas é necessário acentuar que a reflexão sobre o Simbolismo não faz parte da prática contemplativa. As sílabas mântricas não podem produzir seu efeito total sobre os mais profundos níveis na consciência do adepto se a sua mente está apinhada de conceitos verbais. O pensamento reflexivo deve ser transcendido, abandonado.

Quanto à maneira de recitação, não deve haver regras fixas a não ser aquelas impostas pelo mestre, se ele assim o quiser. A sílaba OM é em geral enfática e mais ou menos prolongada, de modo que o M final vibre. MANI PADME (ou
MANI PEME) são recitadas quase como uma palavra. HUM (OU HUNG) é às vezes retardada. Podemos desenhar o ritmo assim: _ - - - - — —! O mantra deve ser pronunciado em tom monótono; ou com a sílaba OM um tanto mais alta do que o resto; ou com as cinco primeiras sílabas em tom monótono e baixo, mas com o HUM tão mais alto do que o resto, como o sol fica acima do dó em nossa escala musical. Nesse caso o diagrama se modificaria para — - - - - — !

Quando a recitação chega ao fim, os devotos permitem que a figura mental do Bodhisattva desapareça de sua mente, qualquer que seja o método aprendido, e depois refletem com gratidão sobre os resultados, tais como o poder de gerar compaixão e distribuí-la imparcialmente, a mais íntima e simpática compreensão dos corações de seres aflitos (ou de algum ser ou seres em particular), ou o alívio da dor, da tristeza ou da confusão mental na mente da pessoa para a qual se dirigiram os votos do adepto. Antes de se levantar, não se deve esquecer de realizar o ato mental de dedicar o mérito resultante de sua prática ao bem-estar de todos os seres, pois esta é a conclusão essencial de todas as práticas e ritos iogues.

Um método popular de usar o Mani é o de gerar compaixão para com todos os seres do universo, dirigindo a mente para cada um dos seis estados de existência por sua vez, enquanto se repete o mantra muito lentamente, talvez 21 ou 108 vezes; em resposta a OM, raios brancos sobre o mundo dos devas; a MA, raios verdes sobre o reino dos asuras (titãs); a NI, raios amarelos sobre o reino humano; a PAD, raios azuis sobre o  reino dos animais; a ME, raios vermelhos sobre o reinado dos pretas (bocas ardentes); e a HUM, raios escuros e enfumaçados sobre os habitantes (criados pela mente) do inferno. As sílabas são visualizadas como se fossem evoluindo lentamente dentro do coração do Bodhisattva, cada qual irradiando seus raios na direção certa.

A natural inclinação dos devotos chineses para contemplar a compaixão sob forma feminina é compartilhada pelos tibetanos que, portanto, contemplam Tara, a emanação de Avalokiteshvara. De acordo com a necessidade individual, Tara é representada de maneiras variadas, como uma figura maternal de grande beleza ou como uma linda virgem. ...

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